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Dossiê Rubem Biáfora

Entrevista com Alfredo Sternheim, Astolfo Araújo e Edu Janks

Por Matheus Trunk
Fotos: Gabriel Carneiro
Participação Especial: Sergio Andrade


Da esquerda para direita: Astolfo Araújo, Alfredo Sternheim,
Edu Janks, Matheus Trunk e Sergio Andrade

Para homenagear uma verdadeira lenda do cinema tupiniquim como Rubem Biáfora não seria correto fazer uma coisa pequena. Por isso, eu armei não uma entrevista, mas um verdadeiro debate biaforiano.

A primeira pessoa que chamei pra me auxiliar nas perguntas foi Sergio Andrade. Serjão, que coleciona textos do crítico paulista há mais de trinta anos não podia faltar nessa ocasião especial. Seu conhecimento e amizade foram fundamentais em todo esse dossiê.

O esperto fotógrafo Gabriel Carneiro também levou sua câmera para os leitores terem maiores detalhes da ocasião. Dos quatro convidados, somente Carlão Reichenbach não pode comparecer.

Os entrevistados foram :

- Alfredo Sternheim, 65 anos - Cineasta e crítico. Dirigiu vinte e dois longas metragens. Foi assistente de direção de Walter Hugo Khouri em “A Ilha” e “Noite Vazia”. Trabalhou como segundo crítico do “Estado de São Paulo” de 1963 a 67, quando teve Biáfora como editor. Continuaram amigos durante toda a vida do grande crítico paulista.

- Astolfo Araújo, 69 anos - Cineasta e crítico. Foi cunhado e amigo pessoal do crítico Rubem Biáfora. Juntos fundaram em 1967 a produtora Data Cinematográfica, que produziu O Quarto e A Casa das Tentações (de Biáfora), As Noites de Iemanjá (de Maurice Capovilla) e Fora das Grades (de Astolfo Araújo).

- Edu Janks, 57 anos - Jornalista. Foi crítico de cinema das revistas Cinevídeo e Big Man Internacional e editor da revista Club dos Homens. Entrevistado e dossiê da Zingu! de maio. “Eu aprendi a ler aos sete anos e tenho certa cultura porque leio o Biáfora desde essa idade”, afirma ele.

Realizamos nossa entrevista/debate numa tarde chuvosa de sábado cidade de São Paulo. A mesma São Paulo onde Rubem Biáfora viveu toda sua vida.

MT- O senhor conheceu o Biáfora no Cineclube Dom Vital. Fala um pouco disso como você conheceu ele, travou esse contato.

AS- Foi por volta de 1958, eu tinha quinze anos no cineclube do Centro Dom Vital que era na Rua Barão de Itapetininga. Ele foi fazer palestra lá assim como foi o Walter Khouri, mas o Khouri e o Biáfora eram os mais assíduos palestrantes. Aí a partir da estréia de “Ravina”, a nossa amizade se estreitou. Aí depois eu fui ser assistente do Khouri em “A Ilha” e o Biáfora e o Khouri eram amigos, então a gente freqüentava o mesmo bar que era o Tourist na Praça Dom José Gaspar. O Biáfora era o crítico titular do Estadão e aí em 1963, março de 63 o segundo crítico que era o Fernando Semplinski meu amigo também, que era do cineclube teve uma rusga do Biáfora e pediu demissão. Aí ele falou: “Fica você Alfredo, temporariamente”. E o temporariamente durou quatro anos e alguns meses e fiquei como crítico secundário do Estadão com o Biáfora. Então, ele era o meu chefe no Estado.
MT- Tipo editor ?
AS- É, ele que dizia: “Você faz essa crítica, essa sou eu que faço”. Mas eu fiz mais de 800, fazia entrevista quando ele saia de férias e eu ficava no lugar. Fazia as indicações da semana, que era uma sessão super importante assim como sessão que influenciava, que indicava filmes, sugeria filmes e tudo mais dos lançamentos da semana, que eram em média nove lançamentos. Nove a dez, por semana.
MT- E os filmes não eram lançados de sexta-feira né ? De segunda ?
AS- Era de segunda. Alguns de quarta, mas a maioria era de segunda. Então, a sessão era publicada aos domingos, que ocupava praticamente uma pagina mais ou menos. Era muito importante essa sessão.
MT- Ele te chamou por causa de um artigo que você escreveu sobre o “Ravina” ?
AS- Realmente, ele se aproximou mais porque naquela época de cineclube, eu colaborava como free-lancer num suplemento cultural do jornal “O Diário” de Belo Horizonte e eu nem conhecia Belo Horizonte (risos). Quem me indicou pra esse suplemento era o Hélio Furtado do Amaral, que era um professor de filmologia. E eu fiz realmente, agora que você falou eu tinha esquecido disso (risos), eu fiz um artigo sobre “Ravina”, eu gostei do filme. Gostei mesmo e aí ele se aproximou mais de mim e começou.
MT- No cineclube Dom Vital, muita gente começou lá, tipo Zé Júlio Spiewak ?
AS- Não, não. Zé Júlio Spiewak já andava pelo meio cinematográfico, acompanhava o Biáfora ás vezes escrevia no “Diário da Noite”, onde o Flávio Tambellini o produtor do “Ravina” escrevia. Eu também escrevi no “Diário da Noite”. Porque foi assim: quando o Tambellini pai teve um acidente horrível com a sua Romi-Isetta, um carro da moda, um carrinho assim (risos), tem que localizar. O Biáfora pediu pra que não houvesse uma lacuna na continuidade da coluna do Flávio e pra que também ele recebesse a gente fizesse um rodízio de crítica. Eu fazia e assinava FT como se fosse o Tambellini. Foi aí também que eu me aproximei do Biáfora, porque o acidente foi muito feio, ele chegou a perder uma das vistas. Estava o Aurélio Teixeira junto, tinha mais uma pessoa que morreu que eu não me lembro quem era. Ele entrou com o carro debaixo de um caminhão, foi meio mesmo.
MT- Você escrevia...
AS- E assinava FT. Era eu, Zé Júlio, o próprio Biáfora e tinha mais alguém, que eu não consigo me lembrar agora faz tanto tempo.
MT- O Motta ?
AS- Não, não era o Motta não. Putz ! Quem era ? Não lembro (risos).
MT- Mas antes de conhecer o Biáfora, você já lia as coisas dele ?
AS- Já lia. Antes de conhecer o Biáfora praticamente a minha formação cultural era feita pelo Estadão feito por ele. Além das indicações da semana, das críticas e além dele escrevia o Franciso Assis de Almeida Salles, outro crítico também. E a minha formação cultural com catorze, quinze anos foi via o Estado que o meu pai tinha em casa. E tinha uma sessão muito bacana que era semanal, que o Rubem Biáfora fazia chamada “clássicos da sétima arte”. Ele comentava um filme antigo que considerava clássico ou do Max Ophuls, ou do Douglas Sirk e eu recortava, colecionava. Mas onde foi parar eu não sei. E eu acho que essa sessão, tanto com as indicações também, acho que ambas tiveram uma importância muito grande na minha formação cinematográfica, cultural.
SA- Isso na década de 60 ?
AS- Não, 50 (risos). Eu comecei a ler o Biáfora, agora que você começou a falar de década com doze anos, sem saber quem era ele no suplemento diário do Festival de Cinema Internacional do Quarto Centenário de São Paulo em 1954. É que agora ele puxou e eu lembrei. Era um festival que veio Errol Flynn, Erich Stronheim, Joan Fontaine. Eu como tinha doze anos ia somente pra porta do hotel pedir autógrafos. Ninguém me dava. A única que me deu autógrafos e me deu uma carícia foi a Ninon Sevilha (risos). Mas a Joan Fontaine eu pus a caneta na mão dela, a Rebecca de “Rebecca A Mulher Inesquecível” e ela: “I am sorry, I can not” e me devolveu a caneta. Era um festival culturalmente importante, e foi quando o Khouri e o Biáfora descobriram o Ingmar Bergman com “Noites de Circo”, que era o filme que representava a Suécia no evento. Foi super importante.
MT- Teve também uma vez que o William Wyller veio...
AS- Mais isso foi bem depois.
AA- Bem depois.
MT- Fala um pouco essa amizade do Biáfora com o Khouri ? Eles moravam no mesmo prédio ?
AS- Isso foi bem depois.
AA- Não. Não.
AS- E nem era no mesmo prédio, era na mesma rua. No mesmo quarteirão, eu não cheguei a ir no apartamento que ele mudou na Martins Fontes...
AA- Na esquina.
AS- É, na esquina. Quando eu os conheci, eles já eram amigos há muito tempo. Eu os conheci em 58 no Cineclube Dom Vital. Eles já eram amigos, faziam uma turma que curtia cinema...que você ainda não tinha chegado ?
AA- Não.
AS- Era o Walter George Durst, que era muito amigo deles mas era meio distante do Cineclube. O José Júlio, agora não me lembro mais. O Durst eu me lembro que era bem amigo deles.
MT- O Almeida Salles também ?
AS- Não, não eram muito amigos. Eram assim relações cordiais, nem assim muito cordiais (risos). Havia uma certa distância. Entre o Biáfora e o Almeida Salles e o Biáfora e o Paulo Emílio Salles Gomes havia uma certa diferença.
AA- O apelido que o Biáfora dava pro Paulo Emílio...Era como o petecantuplos..
AS- Petecantuplos erectus ele lembrou bem, eu não lembrava disso (risos).
MT- Era porque o Paulo Emílio tinha essa posição mais próxima do Cinema Novo, o Biáfora já era diferente ?
AS- Olha...Não era bem por isso. Antes de surgir o Cinema Novo, o Biáfora ficou meio ressentido com o artigo que o Paulo Emílio fez no Suplemento Literário sobre “Ravina”, o teor eu não lembro exatamente o que ele escreveu sobre o filme. Mas eu lembro que o Biáfora ficou meio mordido mesmo.
SA- Tenho essa coletânea de textos. Ele fazia um retrato do Biáfora não muito assim digamos amigável.
AS- Meio irônico ?
AS- Meio irônico. E o Biáfora levou muito a sério isso.
AA- Com o Biáfora não tinha discussão, nada dele. Ele levava tudo muito a sério.
AS- Exato. Ele falou e lembrou bem. Eu não sei se o Araújo vai concordar comigo, mas o Biáfora tinha uma capacidade de acumular ressentimentos muito forte...todos nós temos menos ou menor intensidade, eu também tenho. Mas acho que ele tinha muito intensa essa capacidade, vamos dizer. E o texto do Paulo Emílio foi forte, marcante.
MT- Mas eles se respeitavam quando se encontravam ?
AS- Sim. A gente também era civilizado (risos).
MT- Por exemplo, Alfredo, você começou no Cineclube Dom Vital. O Jairo Ferreira também.
AS- Mas o Jairo começou depois, numa outra turma que eu já estava me afastando. Eu não me lembro porque eu me afastei, se foi pro trabalho ou se mudou diretoria. O Jairo realmente foi outra leva e eu não tive muita convivência com ele.
MT- Porque ele foi assistente do Biáfora no “Quarto”.
AA- Foi. Um pouquinho.
SA- Nesse artigo do Paulo Emílio, ele diz em certa altura que o Biáfora não gostava de ler, não era muito de ler. É verdade isso ? Ele não lia ?
AA- Lia.
AS- Lia. Talvez ele não lesse revistas francesas assim...
SA- Mas eu digo em termo de literatura mesmo.
AS- Não, acho que ele lia, lia. Ai acho que foi um pouco calunioso. Ele tinha uma cultura literária legal.
MT- Porque pras críticas dele, ele não consultava publicações estrangeiras ?
AS- Ele tinha um grande coisa que hoje eu acho que falta aos críticos brasileiros uma capacidade que eu acho que ele me passou um pouco isso, do crítico descobrir por si próprio o valor de uma obra cinematográfica. Hoje a maioria precisa de bibliografia ou internet e o Biáfora não era daqueles que esperava a Palma de Ouro, o prêmio de fora. Ele sozinho descobria e descobria valores como o próprio Bergman que acabou sendo descobertos no Exterior. O Douglas Sirk que virou o queridinho dos críticos franceses, já era um cara descoberto pelo Biáfora muito tempo antes.
SA- Val Lewton.
AS- Val Lewton, é verdade. Ele tinha essa capacidade, esse felling, essa intuição que outros talvez não tinham e que hoje acho muito difícil alguns terem.
MT- Pode-se dizer que o Biáfora aqui em São Paulo descobriu o cinema japonês e o Bergman antes de todos..
AS- Também.
MT- E o Moniz Viana descobriu o Ford, o Hawks.
AS- O Moniz Viana tem seu valor, seu mérito por ter descoberto muita gente. Mas por exemplo: cinema japonês não descobriu porque não passava no Rio, não tinha japonês no Rio (rindo). Lá não tinha colônia japonesa, então por exemplo: o Ozu que virou uma figura no cinema estrangeiro nossa, muitos anos antes o Biáfora já falava.
AA- Muitos anos antes...
AS- Já tinha apontado. Então, ele tinha esse mérito de abrir caminhos numa época que não tinha DVD, internet, nada disso. É bacana isso.
SA- O Sukawa também
AS- Ah ! Também o Sukawa foi ele, um desses que eu me deslumbrei, tudo. Ele mandava eu toda semana, até já sabia falar japonês (risos). É verdade, eu acabei me familiarizando com a coisa, porque ele me mandava cobrir e tinha quatro cinema japonês e todos lançavam em média um filme por semana. Tinha o Jóia que lançava os filmes da Torro, o Nicatsu que lançava da Nicatsu, o Niterói que lançava da Torrei que era um cinema gigantesco. E tinha o Nippon na rua Santa Luzia, que onde passavam os filmes da Shoshicon. Vinham atrizes do Japão, atores que a gente recebia. Era um movimento bacana esse relação cinema japonês e São Paulo e o Biáfora teve muita importância nisso.
SA- Teve uma época que os filmes vinham sem legenda. É verdade isso ?
AS- Não, na época já estava com legenda. Eu vi todos com legenda (risos). Porque eram distribuidoras estabelecidas legalmente no Brasil, representantes das produtoras japonesas que traziam os filmes.
MT- No livro do Anselmo Duarte, ele aponta que ele teve uma diferença com o Biáfora. Como aconteceu isso ?
AS (perguntando para AA)- Ele chegou a filmar com vocês ?
AA- Não, não.
MT- “A Casa das Tentações” ele fez.
AA- Sim. Mas não tinha problemas não, coisa do Anselmo.
AS- É que o Anselmo ás vezes implica gratuitamente com as pessoas.
AA- Claro, claro.
AS- Pode ser que tenha implicado uma vez com o Biáfora. Implicou comigo, eu tive uma briga feia com o Anselmo, em lugar público eu mandei ele pegar a Palma de Ouro e enfiar no...(gargalhadas). Foi, porque ele cismou que eu tinha escrito uma coisa contra “O Pagador” e eu nunca escrevi uma linha nem bem, nem mal contra o filme dele e ele cismou que era eu. Eu não escrevia em 62 no Estado, quem fazia era o Biáfora e o Fernando, e ele falando: “Me respeite, eu ganhei a Palma de Ouro”. E eu falei: “Pega essa Palma de Ouro e enfia...” numa rua assim cheia de gente (risos). Acho que ele já esqueceu porque a pouco tempo eu estive com ele. Ele esqueceu que eu mandei ele enfiar...(risos).
MT- Como era o Biáfora como chefe Alfredinho ?
AS- Era bem severo, comigo era.
MT- Meio militar ?
AS- Não, não é que era militar. Ele tinha umas certas idiossincrasias assim engraçadas. Por exemplo, quando eu comecei a escrever no Estadão, ele queria que eu não entrasse lá porque eu era muito moleque. Naquela época pra vocês terem uma idéia, era o contrário. Hoje numa redação de jornal, se eu entrar eu vou ser posto no parque dos dinossauros (risos), é o contrário só tem jovem e não tem pessoa de meia-idade ou de mais idade. Cabelos brancos se boicota. Naquela época era o contrário, só tinha gente de quarenta anos pra cima, então moleque...e eu tinha vinte anos quando substitui o Fernando e não tinha gravata. Então, o Biáfora descia a Major Sertório, onde hoje é o Teatro Jaraguá e eu telefonava, levava o meu texto e ele pegava lá embaixo pra ninguém me ver. Depois ele começou a deixar eu entrar, mas ele me dava pitos: “Não abre muito a boca”, “Se veste direito, coisa e tal”. Mas depois tive que entrar porque exigiram tudo e quando eu substitui ele tive que fazer coisas lá e me conheceram. Me dei bem com alguns, me dei mal com o Bráulio Pedroso que era o chefe do Biáfora, é chato dizer isso porque ele já morreu, mas ele era uma pessoa muito azeda. Me dei bem com o José Luis Paes Nunes, que outro dia dando aulas um cara perguntou: “Você conheceu José Luis Paes Nunes ? Era meu pai” e eu pensei que ainda bem que eu me dei bem com o cara. E o Biáfora era severo assim na conceituação, se eu gostasse mais de um filme que ele não tinha gostado ou vice-versa ele implicava, era um pouco ditatorial mas deu pra levar.
SA- Se ele gostava muito de um filme e você não gostava, ele aceitava ?
AS- Nem sempre, nem sempre (risos). Este era o problema e nem sempre e ás vezes eram discussões intensas e ficava chato porque havia prazos nas redações, de entregar matéria e coisa e tal. E o Biáfora atrasava muito. Eu nunca esqueço o chefe de diagramação, que eu não lembro o nome: “Biáfora, Alfredo parem com isso e entrega logo essa porra”, e a gente discutindo. E ele não queria saber se o filme estava bom, se estava ruim eles queriam a matéria. Hoje eu lembro achando engraçado mas na época era meio pesado.
MT- Você ficou até 67 no Estadão ?
AS- Foi, de março de 63 a não me lembro que mês de 67, maio ou junho.
MT- Você saiu porque ?
AS- Não lembro direito, não sei direito até hoje.
MT- Saiu pra ser diretor ?
AS- Não, eu fui despedido (rindo). Mas porque eu não sei direito até hoje. Não, eu não era diretor ainda, estava tentando ser. Eu tinha feito um curta-metragem, tinha sido assistente do Khouri mas não tinha conseguido fazer nada mas depois fui gradativamente com o INC fazendo documentários e chegando lá.
MT- E ele falava bem dos seus filmes ?
AS- Falava. A gente teve uma briga feia por um motivo tão bobo, uma brincadeira que eu fiz mas não foi querendo desrespeitá-lo. Eu fiz o “Corpo Devasso” com o David Cardoso e numa seqüência eu filmei no apartamento do Carlos Motta. Cinema brasileiro era pobreza, você tinha que pedir apartamento de um, apartamento de outro emprestado e fiz uma seqüência na casa do Carlos Motta que morreu agora. E ele tinha um pôster lindo da Greta Garbo, eu fiz uma cena o David Cardoso falando que terminava na parede com a Greta Garbo a esquerda do quadro. E ainda brinquei: “Olha David, você nunca pensou que ia trabalhar numa mesma cena que a Garbo. David Cardoso e Greta Garbo juntos e Greta Garbo e David Cardoso juntos, como você prefere ?”. Até ele deu risada, a equipe deu risada. O Motta falou na hora: “Eu se fosse você, não fazia isso”. E eu falei: “Por quê ?”, “Porque o Biáfora vai achar ruim”. “Magina ! Uma brincadeira. Motta, se você quiser eu não filmo, afinal você é o dono da casa”. Mas eu achei aquilo tão bonito, Greta Garbo e era lindo o pôster, e eu falei: “Finalmente dirigi Greta Garbo !” (risos). Brincando, tal e filmei, mas gente quando o filme passou o Biáfora ficou pê da vida. Me telefonou, me xingou foi uma briga muito chata e por causa disso a gente ficou dois anos sem se falar. Ele era um pouco, ele levava muito a sério. Eu falei: “Biáfora foi uma brincadeira” e ele:“Podridão, você botou o David com a Greta Garbo pra me provocar”. Eu falei “Não foi, ela estava lá dando sopa” (risos). Ele começou a me xingar, mas me xingou tanto por telefone e foi aquela coisa, um xinga e eu também xinguei. Eu sei que xinguei, me lembro que perdi a calma e ficamos dois, três anos sem se falar. Mas depois passou.
MT- Quando você fez explícito ele teve alguma cobrança ?
AS- Não...Ele já não estava escrevendo porque eu comecei a fazer. O Biáfora parou de escrever em que ano ?
SA- 83.
AS- Ah ! Então, ele não estava escrevendo mais. Eu comecei justamente nesse ano com o explícito, a gente se encontrava, falava mas ele nunca falou nada a respeito.
MT- E como que era uma turma, uma série de pessoas que começaram na crítica por causa do Biáfora: Zé Julio /
AS- Zé Julio, Motta.
SA- Gutavo Dahl ?
AS- Não, Gustavo não.
SA- Jean-Claude Bernadet ?
AS- Não, também não.
MT- Orlando Fassoni ?
AS- Não. Foi Fernando Seplinski.
MT- Rittner ?
AS- Quem ?
MT- Maurício Rittner ?
AS- Não, acho que não. Agora eu não me lembro (rindo). Se começou via Biáfora ?
AA- Acho que não.
MT- A Pola Vartuck ?
AS- Não. A Pola foi imposta no Estadão a revelia do Biáfora. Eu não me lembro porque ela foi imposta, mas eu sei que ele não se bicava com ela.
MT- O Rubens Ewald Filho teve uma influência do Biáfora ?
AS- Teve, foi bastante influenciado mas não foi também ele que colocou o Rubens no “Jornal da Tarde”. Mas o Rubens se dava bem com o Biáfora.
MT- Ele organizou agora esse livro sobre ele na Coleção Aplauso, vocês gostaram ?
AA- Eu não comprei.
AS- Eu não gostei. E vou dizer porque e falei pro Rubens, eu acho que o Biáfora rm primeiro lugar merecia um livro melhor. O que ele fez ? Ele deu pro Motta pegar algumas críticas e o problema é que ele pegou críticas mais recentes. Segundo: a parte biográfica tá pobre. Terceiro: não tem nenhuma fotografia, nenhuma foto do Biáfora. Porra ! Você faz uma biografia que não tem foto do biografado. Eu achei editorialmente...a única foto que tem é do Motta com o William Wyler, muita gente pensou que o Biáfora fosse o William Wyler, quer dizer porra. O livro saiu muito pobre, o Motta que me desculpe mas foi muito pobre, muito pobre e eu acho que como editor ele devia ter feito..
AA- Eu acho que está faltando um livro sobre o Biáfora. Ta faltando, tá faltando.
MT- Uma coletânea com os textos ?
AA- Tudo, tudo. Os textos antes de 60 são famosos. Quem sabe da coisa. Eu por exemplo descobri os japoneses graças ao Biáfora não sabia que já tinha. Ele que falava: “Vai assistir, tal”. E eu fiquei louco, fascinado. Sabe, o que ele escreveu sobre isso não tem igual na literatura brasileira.
MT- Não tem outra referência ?
AA- Não, não tem, não tem.
MT- Se o Rubinho quisesse ele conseguiria essas críticas mais antigas ?
AS- Ah sim, tranqüilamente teria que alguém copiar porque deve estar somente em papel, coisa. O Estado deve ter um sistema de filmagem, imagino eu. Foi preguiça editorial. O que eu acho errado é que o Rubinho como editor da Coleção Aplauso, ele me faz um livro como ele falou, que não remete ao passado, não remete a essa importância. Muito feito nas cochas, foi uma porcaria de livro sério mesmo. É chato dizer isso, eu era amigo do Motta. E o Rubinho como editor, quer dizer editor você tem que cobrar: “Vamos fazer assim, assim assado”. Alguém tem que pegar esse período, alguém outro. Aí eu me ofereci e quando eu falei: “Porra Rubinho, não tem uma porra de uma foto do Biáfora” e ele “A gente não conseguiu”. Ah ! Que isso, só eu tinha um monte que eu cederia numa boa, tenho em revista Filme Cultura um monte. A Filme Cultura publicou uma entrevista com o Biáfora muito legal, com o rosto dele tudo e foi preguiça pura meu.
MT- Dava pra fazer uma coisa mais bem-feita ?
AS- Muito. Acho que pelo menos uma foto.
MT- Vai ver ele não tem ?
AS- Ah ! Mas procura.
AA- Eu sei que alguém queria fazer esse livro mas pegar a infância porque com catorze anos ele começou a escrever. Com catorze anos, ele não sabia o alemão e começou a conhecer a língua alemã só pelas coisas, uma fantástica capacidade que ele tinha. O inglês ele também pegava só..
MT- Ele não sabia falar ?
AA- Não, não. Ele acho que por aí que você pode pegar o Paulo Emílio e a escrita dele, acadêmica contra o cara que não tinha uma cultura mas sabia mais cinema que ele. Então, isso é evidente.


Astolfo Araújo e Alfredo Sternheim

AS- Isso tinha que estar num livro.
SA- Parece que desde que criança ele era apaixonado por cinema ?
AA- Já, já.
SA- Ele fazia anotações ?
AA- Tudo, tudo.
MT- Ele guardava muito bem ?
AA- Tudo, tudo.
SA- Ele já anotava a ficha técnica ?
AA- Ele reconhecia os atores de primeira, segunda e de terceira categoria. Conhecia tudo.
MT- Como o senhor seu Astolfo conheceu o Biáfora pessoalmente ?
AA- É eu lia, conheci depois que eu fiz um filme, um curta. E ele que veio me cumprimentar naquela lanchonete onde nós ficávamos em frente aquele lugar que tinha...Esqueci. Bem enfim, foi aí que eu fiz amizade com ele.
MT- E a idéia da produtora veio quando ?
AA- Ah, muito complicado. Eu não estou em condições de falar pra você.
AS- Mas só querendo lembrar...o teu primeiro filme as “Armas” já foi uma co-produção com a empresa do Biáfora ?
AA- Não, não. Com ele mesmo.
AS- Com ele mesmo. Então, a filmografia do Astolfo foi o primeiro longa dele mas já produzido junto com o Biáfora.
AA- Todos os meus filmes a não ser aquele do Pedro Rovai, foi feito no Rio. Mas todos os outros foram com ele, nós brigamos também (rindo).
AS- Até aquele filme que você não dirigiu, mas o Capovilla dirigiu..
SA- “Noites de Iemanjá”.
AS- “Noites de Iemanjá”, era produção de vocês.
AA- Dos dois.
MT- Mas a briga de vocês tinha haver com a produção dos filmes ou outras coisas ?
AA- Sei lá eu...Coisa boba. A gente nunca sabe.
MT- Mas depois voltava a amizade ?
AA- Claro, claro. E eu fui com ele na Suíça naquele festival...
AS- Ah vocês foram ! Eu não me lembrava disso. Que filme vocês levaram ?
AA- “O Quarto”.
AS- Verdade, nossa eu não me lembrava disso.
MT- Não sei se o Alfredo, talvez o Astolfo saibam porque ele fez o primeiro longa dele “Ravina” e ele demorou muito pra fazer “O Quarto”. Por que teve essa demora ? Ele prefiriu ser crítico.
AS- Não, não era porque era crítico. Era porque era difícil fazer filme em São Paulo não havia Embrafilme, esse tipo de coisa. “Ravina” não foi bem de bilheteria ?
AA- Não.
AS- Então isso pesava. E também havia outra coisa no meio cinematográfico, os produtores tradicionais, o Biáfora era crítico e era difícil um produtor gostar de um crítico fazendo cinema. Ele ficava com um pé atrás e isso eu senti também na pele, o produtor pensava: “Porra, esse cara vai fazer uma fita chata” e “Ravina” foi um filme de exceção pelo tipo e não foi bem de bilheteria. Então até ele fazer “O Quarto” foi bastante tempo mesmo.
MT- Ele preferia ser crítico a cineasta ? Ou ele gostava dos dois ?
AA- Não...
AS- Ele não tinha assim muita força física pra dirigir alguém.
AA- Não sei. Realmente não sei. Eu acho que realmente ele não tinha essa força física.
AS- Vamos falar um português claro, esse tesão físico...e dirigir é uma coisa muito física, o Araújo sabe. Você tem que ficar oito, dez horas coordenando, dando ordens, tem que ter uma coordenação, uma energia e o Biáfora era uma pessoa meio despersiva na maneira de ser. Não é qualidade ou defeito, é uma característica dele. E filmagem exige uma certa organicidade que vamos dizer fazer crítica não exige tanto. Não sei, é uma opinião minha que acho que ele preferia mais uma atividade intelectual.
AA- Talvez. Talvez.
MT- Você falou que quando ele estava fazendo a montagem de “O Quarto”, parece que ele teve problemas com o Máximo Barro.
AS- (rindo) Foi um episódio que eu presenciei pra vocês verem que o Biáfora era uma pessoa como ele falou: nada fácil de lidar. Uma pessoa bacana, generosa, de ótimo caráter mas no trato diário...E eu cheguei um dia e o Máximo queria renunciar a montagem do filme. Eu acho que ele ia montar um curta meu, eu não em lembro bem porque eu cheguei lá justamente naquela hora. E eles estavam brigando porque o Biáfora cismou que o Máximo tinha cortado além do que deveria uns takes do Sérgio Hingst no filme. O Biáfora cismou de mexer...naquela época eram assim latas, era complicadíssimo montar. E o Máximo se irritou e queria largar e eu fui meio assim contemporizador entre os dois porque não interessava trocar de montador pro Biáfora naquela altura da fita e no fim ele acabou trocando. Mas eu tentei acalmar o Máximo, porque era coisa de temperamento: “Calma, vocês vão achar a coisa”.
EJ- São duas pessoas de temperamento difícil. O Máximo também não é fácil.
AS- Exatamente. Eram dois antagonistas e eu sem querer cheguei lá (risos), e eu falei: “Putz, e agora ?”.
MT- Tem outra história que quando elegeram o melhor filme brasileiro de todos os tempos e você votou num filme da Vera Cruz.
AS- Ah ! Mas não foi com o Biáfora.
MT- Foi com o Khoury ?
AS- Foi com o Khouri. Olha, ele pega umas fofocas totalmente (risos). Não o Biáfora não teve problema. Foi uma enquête da revista Filme Cultura e eu coloquei “Ravina”, mas em primeiro lugar eu coloquei “Floradas na Serra”. Aí que o Khouri me ligou falando que precisava muito falar comigo e a gente marcou encontro no Tourist na praça Dom José Gaspar, perto da estátua do Dante Alighieri. E eu achando que era outro assunto, quando ele me falou que estava bronqueado de eu não ter colocado “Noite Vazia”, eu falei pra ele: “Eu não podia botar “Noite Vazia”. Eu trabalhei nesse filme, não faz sentido”. Eu inclui na minha lista um filme dele, “Na Garganta do Diabo” mas eu não poderia botar filme em que eu trabalhei e eu achava que não tinha sentido. E ele não se conformava de estar “Floradas na Serra” em primeiro lugar. Aí eu fiquei puto da vida de ter saído de casa pra ouvir aquilo (risos), era um dia meio chuvoso assim e aí saiu uma briga violentíssima, muito feia mesmo de gritos, xingos mas depois passou o Dante Alighieri olhando (risos) por causa do “Floradas na Serra”. Mas não foi o Biáfora não.
MT- É porque você tinha falando que tinha sido um amigo seu.
AS- Não, não. O Biáfora nem.
MT- Só falando em Khouri, eu li uma entrevista do David em que ele fala que em “Noite Vazia” antes de começar o filme a Norma Benguell tirou a roupa pra toda a equipe. É verdade essa história ?
AS- Não, é papo do David (risos). Não, mas por que ela ia tirar ? Eu não me lembro disso, sinceramente. Eu era assistente do Khouri, mas ela tirava a roupa nas cenas que tinha de tirar mas numa boa, não tinha problema.
MT- Mas voltando ao Biáfora, algum filme dele teve sucesso de bilheteria ? Não sei se o Alfredo, Astolfo sabe.
AA- Eu acho que “O Quarto”.
AS- “O Quarto” né ?
MT- Maior que os outros ?
AA- Sim.
MT- É verdade que ele gostava de ópera ?
AA- Sim. Ele tinha uma discoteca com óperas de 1938, o que tinha ele gostava muito de óperas. Que mais que ele gostava ? E eu fui gostar daquele cara que morreu, o Milles Davis só por influência dele.
MT- Ele gostava de jazz também ?
AA- É.
MT- Música brasileira ele gostava ?
AA- Sim.
MT- Ele tinha algum hobby assim, alguma coisa diferente, sei lá gostava de futebol ?
AS- Não.
SA- Ele não tinha um time de futebol não ?
MT- Não tinha alguma coisa que ele gostasse que o grande público não saiba ?
AA- Não.
AS- Não, não.
MT- Ele se dava bem com o Moniz Viana, alguns críticos do Rio, Ely Azeredo. Quando eles iam pra São Paulo eles ficavam na casa do Biáfora ? Como isso funcionava ?
AS- Não, eles se encontravam sempre e eram bem ocupados. Tinham um respeito mutuo.
MT- Com o Cinema Novo já era mais complicado ?
AS- Era bem complicado.
MT- Bem Alfredo fale um pouco você estava com ele nessa fase do Cinema Novo, 63...
AS- Foi. Tanto que a primeira crítica contra “Deus e o Diabo” foi minha. O Biáfora não fez, eu que tive de fazer e aí virou um clima de gente me xingando por telefone em casa que o Glauber ia quebrar minha cara (risos). E aí eu conheci o Glauber, o Ignácio de Loyola me apresentou na calçada do Estadão. O Ignácio foi muito sutil: “Esse é o cara que meteu pau em você”, que ótima frase (risos). Eu falei: “Oi”, tal e aí ele falou um monte de coisas e eu falei: “Tá. Tchal”. Não ia revidar, nem nada mas foi meu único contato com ele na calçada da Martins Fontes. Eu desci do trolebus e encontrei os dois e o Ignácio fez questão de enfatizar (risos), queria ver o sangue se aflorar.
MT- O Biáfora conheceu o Glauber ?
AA- Sim.
AS- O Biáfora conheceu. Eu não cheguei a presenciar.
MT- Mas tiveram algum problema ?
AA- Não. Boa até. O Biáfora gostava do “Deus e Diabo”, gostava mas nada assim de extraordinário. Mas ele achava que o cinema não tinha aquela forma boa, era tudo sugado por uma ideologia.
MT- E os filmes da Vera Cruz ? Tinha uma admiração maior ?
AS- Alguns não. Ele tinha uma certas broncas do Cavalcanti mas se você me perguntar eu não sei porque. Não me lembro exatamente, não sei te dizer.
MT- Da Boca ele elogiava ?
AS- Algumas coisas ele elogiava.
SA- Ele gostava muito de um filme da Vera Cruz chamado “Veneno”.
AS- É verdade. É um filme que ele curtia muito, tem razão. Eu já não me lembrava mais.
MT- Por exemplo, Fellini ele gostava ?
AA- Mais ou menos.
AS- Mais ou menos, vamos dizer assim não era o mais querido.
AA- Bom mesmo pra ele era o Antonioni. Eu fui lá fazer uma visita pro Antonioni, ele gostava muito. Eu também gostava.
SA- Ele também foi um dos primeiros a elogiar Antonioni.
AA- Foi também.
MT- Nouvelle Vague ele gostava ?
SA- Ele gostava do Alain Resnais. Alguns do Godard.
AS- Lous Malle ele gostava.
AA- Gostava.
AS- Quer dizer, não era bem Nouvellle Vague mas ele gostou tanto que ganhou o Saci.
MT- Expressionismo alemão ele gostava bastante ? Fritz Lang.
AS- Ah ! Nossa Senhora, adorava. Fritz Lang que ele conheceu e que eu marquei entrevista e o Biáfora foi junto e eu não te contei isso ?
MT- Não. Onde foi isso ?
AS- Foi no Copacabana Palace, chique. Eu consegui agendar uma entrevista, porque o Fritz Lang dava medo, venda preta, grandão, mito do cinema. E eu era tímido mas eu consegui em francês e marquei uma entrevista com ele quatro horas da tarde. Eu falei: “Biáfora, consegui uma entrevista e você precisa me autorizar o fotógrafo”, porque ele era o meu chefe. “Mas eu vou junto” e foi (risos). E eu tinha combinado com o Fritz Lang que ia comentar a filmografia dele completa...era uma entrevista pesada e o Biáfora falou: “Eu vou te ajudar”, eu concordei mas falei pra ele fazer perguntas fáceis porque eu ia traduzir pra francês e eu não era um crânio em francês. Eu nunca esqueço do Biáfora querendo perguntar sobre aquele filme “As Três Sombras”, alemão mudo: “Pergunta pra ele se aquele final das “Três Sombras” tem uma analogia do filme tal, e tal”. Aí eu falei em português: “Biáfora, puta essa pergunta é longa caralho né ?” e o Fritz Lang impaciente: “O que está se passando”. Aí eu com medo da coisa não rolar mais comecei a traduzir gaguejando porque era complicada a pergunta. O Fritz Lang tirou a venda, sentou: “Eu estou com 76 anos. Eu não me lembro do que fiz ontem, vou lembrar da cena final do filme de 19...(risos), tenham paciência vocês não tem perguntas melhores pra fazer ?”. E eu fiquei em francês: “Me desculpe, me desculpe”. E o Biáfora: “O que ele disse ?”, eu falei: “Olha, ele ficou meio puto”. E quem conhecia esse grande crítico paulista bem, sabia que ele falava: “Que podre assim”, era expressão comum dele. E ele soltou: “Que podre !”. Aí o Lang mais uma vez em francês: “O que ele disse ?” e eu não podia dizer: “Que podre”. Ele falou: “Tudo bem” (risos), a gente que saia justa meu Deus, eu com um dos maiores cineastas do mundo tendo de fazer essa coisa. E aí fomos avante. Mas o Lang começou a ficar seco, tudo: “Por favor, façam perguntas mais objetivas”.
MT- Ele era um pouco difícil ?
AS- Era um pouco difícil. No fim, ele pediu desculpas falou que já era um senhor de idade. Mas ele foi gentil, tudo foi legal e depois até cumprimentava a gente nos corredores, tudo. Mas essa situação do final do Biáfora falar: “Que podre” (risos), e eu negando pro alemão, puta que pariu, que horror, que situação.
SA- Isso saiu no Estadão ?
AS- No Estadão mais vieram cortados, uma pena.
SA- Que ano isso ?
AS- Foi em 65, que fomos nós dois pra cobrir o festival no Rio. Tinha Fritz Lang, Valerio Zurlini que eu entrevistei, o Marco Vicario que era um diretor maravilhoso. O Vicário foi bacana porque o Biáfora falava italiano e os dois se entenderam e saiu uma puta entrevista, realmente foi muito bacana mesmo.
MT- Era o Moniz Viana que organizava né ?
AS- Era, foi ele que organizou. Eu passei um apuro tanto que eu tava quase agendando uma entrevista com o Minelli e o Biáfora queria ir junto e eu falei: “Não” (risos). Eu fiquei assim, fica sem. Hoje me arrependo amargamente. Mas eu tinha medo que o Biáfora chegasse...porque eu não conhecia direito a obra dele e o meu chefe conhecia. Naquela época não tinha DVD, não tinha nada. Fiquei com medo dele perguntar: “Minelli, aquele filme com a Judy Garland porque você não botou ela daquele jeito ?” e aí fizesse uma saia justa dessas (risos). Mas foi legal, foi bacana porque ele tinha isso, um lado meio passional.
SA- Ele gostava muito do Arthur Freed.
AS- Ele adorava o Arthur Freed, os musicais dele. Aliás, antes do Cahiers du Cinema, antes de qualquer pessoa foi ele quem ressaltou a importância do Arthur Freed, assim.
EJ- Se eu não me engano, eu descobri o Zurlini pelo Biáfora.
AS- Foi. Foi. A gente que revelou ele na época do Estadão, que agora vai sair em DVD, tudo foi naqueles anos. Isso era bacana, o Estadão e o Biáfora não deixavam de cobrir nada do que era lançado em São Paulo. Desde o filme mais badalado, Palma de Ouro até o classe B do William Witney que passava num cinema de segunda linha. Isso ele fazia questão como chefe severo, mas era uma severidade legal, válida porque realmente a gente não deixava passar nada.
MT- Ele via muito filme ?
AS- Via. E alguns filmes o Estado tinha certa influência pra levar público. Não digo fazer estouro de bilheteria, mas aumentar o público de algum filme. O Marco Vicário ficou grato, só faltou dar um banquete, dispensou o Dino de Laurenti da sala porque o Biáfora deu um puta espaço pras “Horas Nuas”, que era um filme que tinha sido lançado escondido no Cine Scala. Eu fiz uma crítica, ele gostou, fez outra e o filme acabou ficando cinco semanas em cartaz. Para aquela época era um estouro de bilheteria, então o diretor sabia disso porque ele recebeu os recortes e a renda do distribuidor que era o Alberto Pieralisi. Que foi diretor e o Pieralisi que importou o filme mandou um relatório afirmando que a fita estava subindo tal, teve críticas e as mandou pra Roma. Então eu falei com o Vicario ele foi seco: “Eu não dou entrevista”. Mas eu falei que era do Estadão, um jornal de São Paulo quem fez críticas dele. E ele: “Mas eu li isso em Roma. Quem fez essas críticas ?”, e eu: “Foi nós: eu, o Biáfora”. E depois: “Ah claro ! Vamos fazer a entrevista”, puta o cara foi maravilhoso, ficou duas horas com a gente e foi muito bacana. O Biáfora falava italiano, então foi ótimo.
MT- Ele não falava inglês, mas falava italiano ?
AS- Engraçado, ele se soltou lá e ficaram se falando, pena que não tinha gravador. Foi muito bacana.
MT- Ele se soltava, mas esse “que podre” é uma expressão dele ?
AS- Era uma expressão dele (risos). Essa expressão foi freqüente (rindo).
MT- Depois você trabalhou na “Folha da Tarde” e o seu contato com ele foi menor ?
AS- Não, mas tinha por telefone e a gente se falava sempre. Eu nunca me esqueço que um dia ele me ligou pra falar mal do petecantuplos, do Paulo Emílio por telefone. E a sobrinha dele estava trabalhando lá, vamos dizer eu atendendo aqui e ela muito perto. E ele falando mal e eu não podia me estender no assunto e ele: “O que é ? Por que você não está falando mal dele ? Está puxando o saco do Paulo Emílio ? (gargalhadas). Eu não podia dizer que a sobrinha dele estava na minha frente, eu ficava. Mas ele ligava sempre, a gente se falava.
MT- Seu Astolfo, o senhor que produziu filme com ele. Como era ele como produtor ? Uma pessoa muito severa ?
AA- Não, não era não. Ele fazia as coisas que eu indicava pra ele. Não era não.
MT- Por exemplo, ele era um bom sócio ?
AA- Sim.
MT- A parceria durou bastante ?
AA- Sim. Sim.
SA- Ele dava liberdade no set de filmagem ?
AA- Ah sim claro. Ele era muito amplo nisso aí.
SA- Foi uma parceria boa ?
AA- Claro. Só que o último filme dele eu briguei com ele, sei lá porque aí ficamos um ano sem nos falar mas depois voltou. O problema é que a doença dele depois...pegou logo depois que terminou o filme.


Alfredo Sternheim e Edu Janks

SA- Ele teve um derrame ?
AA- Teve.
MT- Ele fumava cigarro ?
AA- Não.
AS- Ele ficou com seqüelas desse derrame ?
AA- Ficou. Foi acho que a vida dele foi muito sacrificada pelo que ele me contava. Ele não tinha dinheiro pra muita coisa, só pro ônibus pra ir, voltar.
MT- Ele tem uma origem humilde ?
AA- Claro. Foi um cara que venceu por si.
MT- Tantos que estamos tantos anos depois falando aqui dele...
AA- Pois é...
MT- Ele foi juntando as coisas dele por conta própria ?
AA- Sim.
MT- O que fazia o pai dele ? A mãe ?
AA- A mãe eu conheci mas o pai morreu cedo.
AS- Morreu bem cedo.
MT- O que fazia o pai dele ? A mãe ?
AS- Não sei.
AA- Acho que operário, o pai.
MT- Por exemplo, ele tinha irmãos ?
AA- Tinha.
AS- Tinha duas irmãs. Engraçado, anos depois eu conheci e até trabalhei indiretamente com o Otávio, que era sobrinho do Biáfora quando fizemos uma revista Classic News Vídeo, o publicitário da revista era sobrinho dele. Está vivo, tem um escritório na avenida Paulista, tudo. Até eu falei pro Rubens na época, pra falar com o Otávio porque ele deve ter informações familiares, tudo do passado do Biáfora.
MT- A esposa dele é viva ?
AA- Está. Minha cunhada.
AS- Você foi casado com a irmã da Eva ?
AA- É.
MT- Ela era mais nova que ele ?
AA- Sim.
MT- Ele foi casado duas vezes ?
AS- Uma vez só.
SA- Ele não teve filhos ?
AS- Não.
MT- Ele tinha um gato, não tinha uma história assim ?
AA- Tinha.
AS- Meu Deus ! Até isso. Eu não lembrava disso. Tinha realmente.
AA- Ele tinha uma atração por gatos.
MT- Seu Janks, o senhor que tinha aquela coisa de moleque de juntar as coisas do Biáfora, que tipo de coisa você aprendeu ? Você lembra algum diretor que você acabou descobrindo ?
EJ- Olha a parceria, o aprendizado com o Biáfora é uma coisa incrível. O aprendizado, porque eu não o conheci pessoalmente infelizmente. Eu me lembro que em 57 minha mãe me levou pela primeira vez pra eu ver um filme e eu já era alfabetizado, eu tinha sete anos de idade e meu pai mesmo sendo um camponês polonês me alfabetizou a partir da leitura de jornais. Depois que eu vi o primeiro filme que minha mãe me levou que eu curti muito, um dia eu descobri no Estado aquela página do Biáfora. Foi assim: amor a primeira vista. A primeira leitura eu não deixei mais de ler e guardar as coisas quanto ele e quanto o Motta escreviam. É isso que os outros entrevistados já colocaram: uma pessoa que me informou, me formou e sabe foi me dando pistas de gostos, indicações de outras cinematografias. Eu tal qual eles era o único ocidental naqueles cinemas da Liberdade assistindo um filme japonês que ele havia indicado.
AA- Eu ia com ele.
EJ- Você também ia com ele ?
AA- Nós..
AS- Nós, os ocidentais que adentrávamos nas salas. É verdade.
MT- Por exemplo seu Janks, o senhor falou que não somente realizadores orientais mas também o Zurlini você conheceu pelo Biáfora.
EJ- Olha pelo Biáfora eu diria que descobri muitos cineastas por ele, eu não sou capaz de lembrar. Mas com certeza eu sou capaz de lembrar de algumas coisas que ele dava valor: o primeiro plano, segundo plano e ao terceiro plano. Ou seja, ele pegava o ator em terceiro plano e dizia que o cara era importante. Sem dúvida e ás vezes ele pinçava alguém de um filme e dizia pra você prestar atenção naquela pessoa e efetivamente ele tinha razão. Eu passei a gostar do James Mason por conta dele, ele adorava o James Mason. Eu não tinha prestado atenção nele até aquela época mas como o Biáfora constantemente citava ele e eu fui prestando atenção, observando e ele na realidade as críticas dele foram a primeira escola de cinema que eu tive. Porque as críticas dele tinha essa característica de formação, didática uma crítica inteira por completo. Ele não ficava só na opinião, fazia conceituação e todas as ligações...ele pegava um filme tcheco e comparava com um filme americano, japonês com outra filmografia. A cada citação ele botava outra citação de outros filmes que aqueles cineastas tinham feito, então ele te colocava um universo completo pra você entender aquela obra. Realmente foi um curso de formação de cinema, então eu penso que as críticas do Biáfora que deveriam ser republicadas, insisito nisso, todas com os prós e contras eram belíssimas aulas de cinema. Depois eu fiz cinema na Faap com o Alfredo, mas aquela bagagem de formação que a gente levava e ficamos horas e horas conversando foi graças ao Biáfora e o Motta.
MT- Depois você teve esse contato com o Bajon...e eles eram bastante amigos ? O Alfredo deve ter visto isso também.
AS- Eram bem amigos. Sinceramente, eu não sei como começou a relação do Bajon com o Biáfora porque foi na época que eu estava na “Folha da Tarde”, eu conheci ele superficialmente e ele virou produtor de muitos filmes que eu fiz. Não sei como foi no museu de arte, em alguma projeção.
MT- Em cinema oriental eles se entendiam ?
AS- Se entendiam mas o Bajon é uma pessoa de cultura cinematográfica muito vasta e acho que isso os aproximou muito.
MT- Não sei se eles se aproximaram também porque o Bajon tinha a família marcada por conta da Guerra do Vietnã ?
AS- Não, o Bajon não foi depois. É uma mistura estranha: ele é filipino e nasceu em Xangai. Mas ele é filipiano pelo sobrenome Bajon, mas se criou em Xangai se eu não em engano. Como eles caíram no Brasil eu não sei. O irmão dele é um economista de primeira linha aqui em São Paulo e ele tem outro irmão, são três ou quatro. Quando ele teve aquele rolo de polícia, que foi uma injustiça e eu fui depor em defesa dele quem agitou tudo foi o irmão, o Ricardo. Porque pelo Bajon, ele pegou um livro e ficou lendo. O Ricardo falava: “Desse jeito, ele nunca vai sair da cadeia” (risos). Eu não sei direito como ele se acostumou com o Biáfora, não consigo lembrar.
MT- Pode ser pelo gosto pelo cinema oriental ?
AS- Pode ser, pode ter sido mas eu não tenho certeza. Não me lembro mesmo.
EJ- Eu lembro que eu fui ver o “Ilha Nua” e por mais curioso, eles colocaram o filme num cinema erótico. E eu era bem jovenzinho e o filme estava rolando e não tinha nada de nudez. Obviamente, o Kaneto Shindo era um diretor japonês, comunista, ativista e o filme mostra aquela vida nua, aquela dificuldade de contato com outro lado mas quem me indicou aquilo com certeza foi o Biáfora, certamente.
MT- Ele era meio indesejado pelo pessoal de esquerda. Como era isso ?
SA- Ele teve uma formação socialista na juventude.
AS- Eu acho que sim. Mas o socialismo dele era uma coisa legítima. O que havia no cinema, no ambiente cinematográfico quando surgiu o Cinema Novo, principalmente era que tinha críticos que cobravam do Biáfora, do Khouri posturas nacionalistas. Eu me lembro de um debate que eu fui em que Biáfora foi, o Khouri foi e o Jean-Claude falou: “Quem não reflete a realidade brasileira que se retire”. Mas o Biáfora e o Khouri caíram de pau nele com muita inteligência. Eu não me lembro qual deles falou: “Se eu quiser fazer uma fita no meu apartamento com vista de São Paulo é tão nacional quanto o Cinco Vezes Favela”. E realmente é isso é verdade e eles deram um baile no Jean Claude. Havia isso, essa idiossincrasia que o Cinema Novo como esquerda festiva como que o Khouri e o Biáfora eram alienados, era a palavra da época.
MT- Mas eles não eram isso ?
AS- Não, não eram. Pelo contrário ele descobria filmes do Kaneto Shindo, um cara de esquerda e foi uma pessoa que ele descobriu. O Sukawa era de esquerda, então não tinha isso. Ele não era de direita. O fato é que ele pertencia a um jornal vinculado a direita, o Estadão mas aí é outra conversa.
EJ- Eu acho que os textos dele iam além de esquerda, direita. Eles estavam muito mais modernos hoje porque não temos hoje essa noção de esquerda, direita e aliás hoje isso tá um lixo e acho que ele tinha bem essa postura. Então, OK ás vezes ele tinha algumas inquietações com o stalinismo. Mas quem não teria com o stalinismo ? Vamos deixar isso bem claro, mas fora isso as críticas dele eram assim universais, realmente universais e ele não entrava nessa guerra fria que ele foi obrigado a entrar com o Cinema Novo. E eu adorava essa universalidade dele, de não tomar partido e deixar as coisas pra você refletir junto com ele.
MT- Mas Neo- Realismo ele não gostava ?
AS- É, ele achava que tinha uma certa dose de oportunismo por conta do Neo-Realismo principalmente por conta do Rossellini. Depois ele refez isso, essa era uma divergência que a gente tinha. Eu gostava do De Sicca, de “Umberto D” e ele achava oportunista o filme e isso a gente teve uma pequena coisa.
MT- Visconti ele gostava ?
AS- Gostava. Mas Rossellini e De Sicca ele tinha reservas. O primeiro eu não tinha visto ainda, então não falava nada. Naquela época, pra ver filme antigo era uma verdadeira mão-de-obra.
MT- O Astolfo deve ter acompanhado mais as filmagens dele...o Alfredinho quem sabe uma ou outra. Mas seu Astolfo como era ele dirigindo ? Ele era muito difícil com os atores ?
AA- Não, não era não.
MT- Porque eu li uma entrevista dele que os atores sempre estavam contra ele, a Eliane Lage estava contra ele, o Sérgio Hingst,
AS- Eu não acompanhei ele dirigindo.
AA- Essa coisa dele de afronte, mas não existia isso dele dirigindo. Mas assim no dia a dia era normal, não tinha aqueles escândalos.
MT- Vocês ás vezes tinham alguma divergências com ele...e o Khouri chegou a ter algumas ?
AS- Eu acho que eles tiveram algumas divergências mas se você me perguntar o que eu não me lembro especificamente. Mas eu me lembro que teve, não lembro exatamente o motivo.
AA- O ponto de vista do diretor, porque o Khouri era um diretor que tinha uma esquife muito diferente do que ele imaginava, então só isso só. O que eu vi muito é que ele não gostava de certos filmes do Khouri.
SA- Vocês falaram que ele descobria muitos atores. Um figurante que ele via, ele logo destacava. Isso acontecia muito com atores brasileiros como a Patrícia Scalvi, que foi ele que descobriu numa pontinha num filme do Galante...
MT- Do Carcaça.
SA- Do Osvaldo de Oliveira.
EJ- Tem também um aspecto do Biáfora que é importante colocar que está em uma das críticas que foram publicadas na Zingu! que ele fala do filme do Osvaldo de Oliveira. Ele com todas as letras fala da lisura do trabalho do cinema paulista contra os modistas, os esquerdistas, supostos intelectuais. O que ele tinha era muita coragem de afirmar uma série de coisas, se o Glauber tinha o Biáfora tinha também. E nesse caso ele faz toda uma justiça ao cinema paulista e falando de um filme erótico.
AS- Isso o Edu lembro bem. O Biáfora não tinha medo de elogiar pessoas que não estavam na moda até se não me engano ele elogiou o Carlos Imperial, não me lembro em qual filme. Você lembro disso do Osvaldo de Oliveira e eu lembrei por tabela do Imperial. Quer dizer: isso que ele falou é verdade, o Biáfora era muito mais corajoso que todo mundo nesse sentido de realçar pessoas secundárias, completamente fora da mídia como o Osvaldo de Oliveira.
MT- Por exemplo um Paulo Emílio nunca vai falar de um Imperial.
AS- É, eu acho que a maioria dos críticos- salvo raras exceções- não tem essa coragem. Eu herdei do Biáfora e reconheço.
EJ- O que ele estava colocando na crítica colocada na Zingu é o seguinte: o Osvaldo de Oliveira se assuma o seu papel de comercial e ponto. Em vez de ficar dando ar de intelectualoides, de ter uma mensagem, uma coisinha. Ele deixava claro que o cinema paulista vivia as dispensas próprias e isso que era importante. O cinema brasileiro vivia por conta do seu dinheiro, isso era muito importante também. E eu acho que ele tem uma relação muito interessante e o Alfredo talvez saiba mais sobre ela da do Biáfora com o Sérgio Hingst, que eles eram muito amigos. Ele adorava o Hingst.
AS- É o Biáfora idolatrava o Sérgio como ator, achava ele o melhor do Brasil e um dos maiores do mundo. Eu me lembro (rindo) que uma das maiores brigas foi que eu não fiz uma crítica de um filme que ele fez...qual era ? Porque eu achei que ele ia fazer. Foi “As Cariocas”, puta agora já lembro. O Biáfora foi realmente a pessoa que realçou a carreira do Sérgio. Foi quem mais, assim como a do Pedro Paulo Hatheyer, que inclusive pode dar depoimento. Eu inclusive encontrei com ele a pouco tempo. O Biáfora tinha isso, ele realçava atores que não eram da moda, não era um Paulo Autran da vida.
MT- Eu li uma crítica dele que ele elogia Hugo Bidet.
AS- Hugo Bidet, você tem razão.
MT- Ele não tem problema ?
AS- Não, não tem. Ele realmente colocava nas alturas de gente que nunca tinha realmente acontecido. Norma Blum, que eu descobri por ele. Ele a colocava nas alturas e aí até surgir uma oportunidade, eu a conheci e a convidei pra filmar por causa disso.
SA- A intelectualidade não dava valor.
AS- Exato e ele não tinha problema de ir contra a maré.
EJ- Eu acho que um pouco o Rubens Ewald Filho segue a escola do Biáfora...
AS- Com menos coragem.
EJ- Com menos coragem sem dúvida nenhuma. Mas ele também faz isso, ele ao criticar um filme diz que o que o filme se propunha que é uma coisa que o Biáfora deixava bastante claro e não criando histórias. Ele dava o peso correto, então o Rubens vem dessa escola com certeza porque ele sempre defini isso é só uma diversão, isso é aquilo porque eu acho isso muito honesto com o público do que ficar procurando outras explicações, justificativas pra você ir ver um filme. Você pode ver o filme somente pra se divertir, você está entendendo ? Não precisa ter um contexto revolucionário ou educacional pra você assistir.
MT- E quando surgiu o Cinema Marginal, como ele encarou isso ?
AS- O que é Cinema Marginal ?
MT- Sganzerla ?
AS- Não me lembro. O Candeias ele gostava.
MT- O Candeias trabalhou num filme dele.
AS- Candeias acho que ele gostava. “A Margem” ele gostou muito, tem razão. Sganzerla ele não curtia muito.
MT- Do Carlão ele gostava ?
AS- Gostava, gostava. Quem mais tinha na época que ele gostava ? Estou tentando me lembrar...
MT- O Julio Bressane nem tanto ?
AS- Não. Acho que não (risos). Mas também, gostar do Bressane (risos). Desculpe outro dia eu falei isso e a mulher do Sabadin é prima-irmã do Bressane, mas ela levou numa boa porque ela sabe que na família ninguém suporta os filmes dele. Eu brinquei com o Sabadin: “Puta, você casou com uma Bressane !” (risos).
EJ- Sabe, eu acho que as críticas do Biáfora pra mim pelo menos significaram a quebra de um grande ranço. O Alfredo lembrou bem isso, nós no Brasil vivemos num certo período em que ou se era de esquerda ou se era de direita. Ou era um filme de arte ou não era um filme de arte. Pra que servia o cinema ? O cinema tinha que ter uma utilidade cultural. Sabe, mas o Biáfora quebra exatamente tudo isso a tal ponto que eu hoje posso dizer que sou uma pessoa livre. E posso dizer que vou assistir um filme cultural, um filme só pra me divertir ou porque ele tem um lado turístico, educacional ou um lado político, de denúncia. Ele deixou claro que cinema era uma coisa muito mais que todo filme era um filme político...
SA- Ele parou de escrever em 83. Antes da morte dele, ele continuou vendo filmes ? Assistindo filmes ?
AA- Enquanto teve força física.
SA- Mas ele ia ao cinema ou ficava em casa ?
AA- Não. Ia no cinema.
MT- Pra gente fechar, eu queria que vocês falassem cada um pouco cada um rapidinho qual a importância do Biáfora pra vocês e o que vocês acham que fica dele hoje.
AS- Pessoalmente pra mim, eu acho que é isso que eu falei. A capacidade de analisar filmes sem partir, sem apego a modismos. A capacidade de descobrir, analisar e descobrir valores por conta própria. Eu acho que isso eu aprendi com ele.
MT- Um autodidata o Biáfora ?
AS- É. E eu acho que isso ele me passou, de ir ver um filme sem me preocupar se é ganhador do prêmio X ou Y e tentar descobrir méritos de preferência e defeitos se ocorrer. Isso é o que eu acho que aprendi e ter vamos dizer uma capacidade própria de analisar e ver filmes e amar tudo isso.
MT- Seu Edu ?
EJ- Bem, eu concordo plenamente com o Alfredo nesse aspecto e como eu te falei: o grande exemplo que fica do Biáfora fora ele ter me ensinado a ver cinema, a ler cinema, a ter gosto. Se preocupar com estilo, com iluminação, atores. Ele praticamente dava aulas de cinema e acho que ele teve esse aspecto do libertário que eu acho, de você ver um filme por muitos motivos e não por um ou outro motivo específico. Cinema é algo muito mais amplo, cinema é vida pode se dizer e não é só uma coisa fechada que premia a esquerda ou a direita ou a Guerra Fria ou isso ou aquilo. Então, ele realmente nos libertou pra ver cinema.
MT- Toda uma geração ?
EJ- Sem dúvida. E efetivamente nos libertou pra os ver de forma honesta, gostando, não gostando. Podendo se dar ao luxo de se soltar vendo um filme. Ele foi bastante libertário nesse aspecto.
MT- Então em vez de um reacionário como ele ficou conhecido, o senhor pensa que ele é um libertário ?
EJ- Nesse caso sim. Nesse caso porque a Guerra Fria pra mim pressupunha uma ditadura era muito fechada. Claro, historicamente a gente entende mas você como uma pessoa você tinha outros prazeres. De vez em quando eu ia ver um filme popular, gostava e aí vinha alguém da esquerda e pomba: “Como você gostou disso ?”. Então após o Biáfora eu comecei a ver diferente as coisas, eu me senti mais livre sentindo que eu podia descobrir, posso buscar.
MT- Posso ver esse tipo de cinematografia ?
EJ- Posso ver ! Sabe, preciso me posicionar mas eu tenho que ver. Eu nunca digo pra não ver. Eu sempre digo veja, pense e analise.
MT- E o senhor seu Astolfo, que conheceu mais ele. O que acha que fica dele ?
AA- Isso. Essa capacidade de fazer as pessoas pensarem. Você lê, vê e descobrir como ele falou, essa interação das coisas. É isso.



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